Dependência Química

Para entender a dependência química é importante destacar que existe, no cérebro, uma área responsável pelo prazer. O prazer, que sentimos ao comer, fazer sexo ou ao expor o corpo ao calor do sol, é integrado numa área cerebral chamada sistema de recompensa. Esse sistema foi relevante para a sobrevivência da espécie. Quando os animais sentiam prazer na atividade sexual, a tendência era repeti-la. Estar abrigado do frio não só dava prazer, mas também protegia a espécie. Desse modo, evolutivamente, criamos essa área de recompensa e é nela que a ação química de diversas drogas interfere.

Apesar de cada uma possuir mecanismo de ação e efeitos diferentes, a proposta final é a mesma, não importa se tenha vindo do cigarro, álcool, maconha, cocaína ou heroína. Por isso, só produzem dependência as drogas que de algum modo atuam nessa área. O LSD, por exemplo, embora tenha uma ação perturbadora no sistema nervoso central e altere a forma como a pessoa vê, ouve e sente, não dá prazer e, portanto, não cria dependência.

Vários são os motivos que levam à dependência química, mas o final é sempre o mesmo. De alguma maneira, as drogas pervertem o sistema de recompensa. A pessoa passa a dar-lhes preferência quase absoluta, mesmo que isso atrapalhe todo o resto em sua vida. Para quem está de fora fica difícil entender por que o usuário de cocaína ou de crack, com a saúde deteriorada, não abandona a droga. Tal comportamento reflete uma disfunção do cérebro. A atenção do dependente se volta para o prazer imediato propiciado pelo uso da droga, fazendo com que percam significado todas as outras fontes de prazer.

A dependência é um processo de aprendizado. O fumante, por exemplo, pela manhã já manifesta sintomas da abstinência. Fica irritado e sua capacidade de concentração baixa. Ele fuma, o desconforto diminui. Vinte minutos depois, o nível de nicotina no cérebro cai, voltam os sintomas da abstinência e ele vai aprendendo a usar a droga pelo efeito agradável que proporciona e para evitar o desprazer que sua falta produz. A dependência é fruto, então, do mecanismo psicológico que a um só tempo induz o indivíduo a buscar o prazer e evitar o desprazer, e fruto das alterações cerebrais que a droga provoca. Essa interação entre aspectos psicológicos e efeito farmacológico vai determinar o perfil dos sintomas de abstinência de cada pessoa. A compulsão é menor naquelas que toleram a abstinência um pouco mais, e maior nas que a inquietação é intensa diante do menor sinal da síndrome de abstinência.

Resumindo: a dependência química pressupõe o mecanismo psicológico de buscar a droga e a necessidade biológica que se criou no organismo. Disso resulta a diversidade de comportamentos dos usuários.

Em geral, as pessoas perguntam: mas se a droga dá prazer, qual é o problema? O problema é que ela não mexe apenas na área do prazer. Mexe também em outras áreas e o cérebro fica alterado. Diante de uma fonte artificial de prazer, ele reage de modo impróprio. Se existe a possibilidade de prazer imediato, por que investir em outro que demande maior esforço e empenho? A droga perverte o repertório de busca de prazer e empobrece a pessoa. Comer, conversar, estabelecer relacionamentos afetivos, trabalhar são fontes de prazer que valorizamos, mas não são imediatas.

Em geral, a maconha é a primeira droga ilícita que a pessoa consome, mas antes disso, em geral, já experimentou o álcool e o cigarro. Já não se discute mais que, quanto mais cedo o adolescente entrar em contato com a droga, maior será a probabilidade de “escalar”, isto é, de partir para outras drogas ou intensificar o uso da maconha. É muito difícil prever quem vai ou não embarcar nesse processo. Sabe-se, porém, que quantos mais amigos envolvidos com drogas ele tiver, maior risco correrá do uso tornar-se crônico.

O primeiro passo para enfrentar a situação é, os pais se informarem sobre o que está acontecendo na vida dos filhos e voltarem a exercer controle mais efetivo sobre suas atividades. Em geral, esse problema reflete uma certa crise familiar. Por razões diversas, pais e filhos se distanciaram. Por isso, a estratégia básica é levar ao conhecimento dos pais o que está acontecendo com seus filhos e os riscos que eles correm. Quanto ao adolescente, é complicado conversar sobre esses riscos. A tendência do jovem que já se envolveu com maconha é minimizá-los ao máximo. “Que mal existe em fumar um baseado por semana?” é a pergunta que muitos fazem. Acontece que, na maioria das vezes, quem começou precocemente, no período de seis meses, estará fumando um baseado por dia.

A preocupação do contato do jovem com as drogas, é que não dá para antever o caminho que cada um percorrerá no mundo das drogas. Quem já teve o desprazer de acompanhar um adolescente numa entrevista, tranquilizar os pais, dizendo – “Olhem, ele só está usando uma vez por semana. Essa é uma experiência pela qual ele deve passar.” – e, depois de dois anos, ver esse jovem totalmente deteriorado, traficando drogas, fica muito preocupado com o momento certo em que deve interferir. Esse é o desespero dos pais e o dilema dos profissionais: agir na medida exata da necessidade de cada caso.

Nem todos precisam de tratamento, mas não se pode deixar escapar aqueles para os quais o acompanhamento clínico é indispensável. No caso dos adolescentes, é preciso estar atento a três fatores que combinados são sinais de alerta e requerem algum tipo de acompanhamento. O primeiro é atitude por demais tranquila do adolescente que considera a maconha inofensiva e destituída de inconveniências. Depois, é importante considerar a rede social em que está inserido. Os amigos com quem convive são usuários da droga? Por último, deve-se avaliar seu desempenho nas atividades cotidianas. É o caso do bom aluno até os 13 anos, que foi perdendo o interesse pela escola e não reage mesmo diante da ameaça de perder o ano.